quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

ULISSES

Márcio Alessandro de Oliveira


       O relógio marcava três horas.  Levantara-se em plena madrugada mesmo.  Agora, olhava-se no espelho do banheiro.  Notou que a barba estava por fazer.  (Talvez fosse o caso de desfazer: seria mais arrazoado o uso do prefixo, embora soubesse que nenhum idioma é rigorosamente lógico; e pensando nisso decidiu mencionar o fato na aula que, segundo a sombra da lembrança do calendário, ministraria dali a algumas horas para amenizar a eterna doença da ignorância viciosa.) 
       Descartando os rituais de higiene, pôs-se diante do notebook, o qual ficava na cozinha do imóvel de quatro cômodos que alugara após a mudança para Teresópolis; menos de um minuto depois, começou a alterar vários escritos, tais como relatórios sobre alunos e planos de aula.  (Quando fazia isso, louvava em pensamento a pessoa que criara a tecla backspace.)  Para a sua sorte, já se fora com o vento dos dias o período de avaliações, o que lhe tirava a sobrecarga.
       Decidiu fazer café.
       Para que tanto esmero?  Ganharia um salário baixo vendendo a força de trabalho como peão do ensino.  Menosprezado por causa da pouca idade e da profissão, desprestigiado pelo meio acadêmico, que detestava que conciliasse o trabalho docente com o sonhado mestrado, criticado pelos pais de alguns (ou talvez muitos) alunos por ser exigente e querer o mínimo de decoro, via, apesar dos pesares, a sala de aula como o cenário da própria alma.  Pena era saber que sua alma valia vinte reais pela hora-aula ou menos.
       Borbulhava a água.
       — Você sabia (ouvira alguém dizer durante um almoço, num restaurante) que ganharia pouco.
       — Eu também sabia (retrucara) que correria o risco de ser assaltado ao sair de casa hoje mais cedo, mas nem por isso deixei de sair.  A ser verdadeiro o raciocínio por detrás do seu discurso, todos os professores, até mesmo os lentes, ou deveriam largar a profissão, ou deveriam trabalhar e aceitar, com o mais alto grau de conformismo, sem reclamação, sem o justo direito ao protesto, que têm de trabalhar que nem escravos, como acontecia na antiguidade romana.  Aliás, isso se aplicaria a outras categorias.
       Encheu a xícara, serviu-se de açúcar, veneno que não lhe tiraria o amargo, misturou-o e voltou ao computador.  Este, após a abertura de alguns menus, passou a emitir música.  Agora Ulisses escutava a voz de Anette Olzon, ex-vocalista do Nightwish.  No terceiro gole de café, chegou ao fim do primeiro refrão:
       I cannot cry ‘cause the sholder cries more/ I cannot die, I, a whore for the cold word(Não consigo chorar porque os ombros choram mais/ Eu não consigo morrer, eu, uma vadia para o mundo frio.)
       Valia menos que uma vadia, que uma meretriz.  Ela prostituía o corpo: vendia-o em troca de um valor digno, um valor que lhe garantia conforto.  E fazia isso empregando uma ciência empírica cuja eficiência já era consagrada desde o início dos tempos.  E ele?  Ah, ele mostrava coisas inúteis aos alunos, como, por exemplo, a diferença entre uma oração subordinada substantiva e uma predicativa.  A meretriz prostituía o corpo, ele, a alma — e por uma miséria.
       Seis e meia.  Tomou banho, vestiu-se, comeu apenas uma torrada e, antes de sair, certificou-se de que o casaco escondia os furinhos da camisa feitos por traças e que o jeans não denunciava ser tão velho; em seguida, verificou que não faltava nenhum livro na mochila, dentro da qual havia ração canina e um recipiente; por isso saiu sem retirar nenhum das estantes, que podiam desabar por excesso de peso.
       Do portão ao ponto de ônibus de três assentos, no qual não havia charcos, apesar da chuva da madrugada, notara o lixo acumulado em ruas íngremes do Jardim Meudon enquanto espirrava.  Ao lado dos três assentos estava deitado um cão branco, ao lado do qual Ulisses depositou a ração no recipiente.  Onde morava, não era permitido ter animais.
       Repentinamente, lembrou-se de que naquele dia não tinha de dar aulas: era dia de conselho de classe, ao qual não compareceria.  Não suportava os solecismos nem os pareceres danosos de alguns colegas.  Decidiu, contudo, ir ao centro mesmo que não tivesse de vender aulas.
       Aproximaram-se dois rapazes de uniforme da rede estadual.  Eram esguios, desengonçados e com a visibilidade prejudicada pelas franjas; não ofereciam perigo; então não se retirou.  Dizia um deles:
       — Sabe aquela canção em que Renato Russo diz que gostaria de ser uma certa peça de roupa feminina?
       — Sei (respondeu o menos alto dos dois).
       — Estava eu cantando em voz alta, quando a vizinha apareceu perto da janela para tirar roupas do varal.  Pareceu que fiz de caso pensado...
       — Não foi ela que votou em Jorge Mário e Arlei?
       — Sei lá...  Acho que sim.
       — Então não importa se ficou constrangida.
       Surgiram as rodas anunciadas pelo rugido feroz do motor do ônibus.  Fez sinal, e foi só isso que possibilitou o embarque dos dois.  Desistiu de entrar assim que viu o excesso de troncos espremidos.  O ônibus mal havia retomado a velocidade, quando Ulisses começara, muito decidido, a andar.  Isso era útil no exercício de ruminar ideias e diminuía o frio que acompanhava a neblina, tão densa quanto o verde-exército do mar de árvores nos morros e barrancos pincelados pela natureza.
       Em poucos minutos chegou à esquina da Rua Paquequer, onde não era visto o sol em virtude das cortinas cinzentas de nuvens, ladras da luz de Apolo.  Muito justo: ele roubava o brilho das estrelas e causava câncer.
       Oito horas.  Roncava, em furiosos protestos, o estômago, cujo vazio tinha de ser preenchido com urgência.  Percorreu a calçada da Delfim Moreira sem se deter para ler manchetes nas bancas.
       Na Calçada da Fama, enveredou-se por uma calçada transversal, onde um mendigo ocuparia espaço, e entrou num café.  Pediu um sanduíche, um sonho, um suco e sentou-se.
       Aqui e ali só se falava da crise da cidade.
       — Minha vizinha e os cinco filhos ganharam cestas básicas.  Se não ganhassem...
       — Se não pagarem o salário dos servidores, o comércio vai ser prejudicado também, porque não vão ter dinheiro para gastar, e nesse caso até os trabalhadores das lojas e das empresas vão correr riscos.
       — Tem sido difícil pagar a conta de luz.
       — A coleta irregular de lixo vai atrapalhar o turismo.
       Entrementes, a conversa mais audível começou quando à mesa bem ao lado sentaram-se dois homens de meia idade: um, esbelto, sisudo, terno e gravata vermelha, alguns fios brancos; o outro, muito corpulento, calvo, quase sem pescoço, calça e camisa sociais com suspensório branco, mesma cor dos bigodes, sobre os quais, com a mãozorra típica de quem tem a circunferência de uma rolha de poço, passava um lenço azul para enxugar o suor, orvalho em pele, apesar do tempo frio.
       — Com a queda de Dilma, a situação vai começar a melhorar (disse o mais espaçoso dos homens, espremido na cadeira).
       — Se pode começar a melhorar (respondeu o outro), pode também começar a piorar.  Uma coisa pressupõe o seu oposto.  Além disso, e até um direitista há de concordar comigo, porque entre os de direita ainda há quem tenha o mínimo de consciência, a proposta de impeachment é uma tentativa de golpe.
       — Golpe?  Faça-me o favor!  A Constituição prevê o impeachment: é democrático!
       — Engraçado, Fernando (disse o outro, franzindo o cenho).  Você não se lembra de que a ascensão de Chaves e sua permanência no poder eram democráticas antes de afirmar que era um ditador.  Vê os dois fatos como frutos de falhas, de fraquezas da democracia.  Isso, é claro, porque se trata de um finado líder socialista.  Quando, porém, você se refere ao impeachment, não se dá conta de que os mais poderosos veículos de comunicação e a direita, subordinados que estão aos grupos econômicos, querem tirar a presidenta do poder.  A um governo de esquerda você atribui um golpe, oriundo da própria democracia; a uma manobra da direita você atribui um caráter justo por ser constitucional e “democrática”.
       — Acha que o que o PT fez está certo, Lúcio?  Continua defendendo aquele partido comunista de ladrões?
       — Não está certo: quem comete crime tem de ser punido, embora na política, um lodo no qual dificilmente pode alguém trabalhar sem ser atingido por um ou vários respingos de lama, dificilmente seja preso um corrupto.  E não estou defendendo o PT: o que defendo é a decisão da maioria dos eleitores, decisão que é uma das principais marcas da democracia, que você supostamente tanto defende.  Outra coisa: o PT não é comunista.  Ou será que você teve alguma de suas várias casas expropriadas pelo governo?
       Chegou à mesa o pedido dos dois: pães de queijo e duas xícaras de café.  Lúcio bebeu dois golinhos antes de ouvir a resposta de Fernando:
       — É por causa dessa sua forma de ver o mundo que meu pai não gostava de você.
       — Não precisava mencionar meu falecido sogro, que nunca se importou muito com a única filha.  Se bem que é das propriedades deixadas por ele que quero falar.  Minha esposa e eu achamos que você não merece administrar um patrimônio tão extenso, até porque seu pai deixou um testamento que dá margem a que ela conteste a situação atual, já que o falecido não fez predileções nem por você nem por ela, os únicos herdeiros.
       — Olhe, Lúcio, vim aqui para conversar como um amigo, mas se você acha...
       — Não sou amigo de cabos eleitorais, muito menos de um que se beneficia com a mudança de prefeito e não me paga o dinheiro suado e limpo que deve, ainda que eu não me surpreenda com isso.  Afinal, de um parasita que dependeu do pai a vida toda não se pode esperar atitude oposta às suas.
       Fernando, que suava como nunca, engoliu em seco.  Levantou-se Lúcio.  E acrescentou:
       — Foi inútil vir aqui.  Só estamos neste lugar porque minha esposa pediu que eu conversasse com você como advogado dela.  Mas nossa conversa será litigiosa, e não informal.  Adeus.
       Lúcio se dirigiu ao caixa, pagou a conta e saiu do recinto.  Segundos depois, com mais dificuldade e lentidão, saiu Fernando, impassível.  Tanto um como o outro viraram o rosto para o outro lado quando viram o mendigo ali perto, a quem Ulisses, depois de deixar dinheiro no caixa, deu os pães de queijo abandonados.
       Estava na Delfim Moreira, quando, por uma fração de segundo, olhou para o Dedo de Deus, o dedo médio!  Fora um engano, sem dúvida.  Olhou com mais atenção: era o indicador.  As forças da natureza não seriam tão audaciosas nem tão ultrajantes.
       Na persuasão de que receberia o pagamento atrasado pelo trabalho do mês anterior, preencheu o tempo da tarde livre indo ao município vizinho.  Nada obteve.  Isso lhe despertou a lembrança do ano anterior.
       Em outra cidade, praticamente levara calote.  E, ao cobrar o que lhe era de direito, fora tratado que nem criança.  Quanto mais teria de envelhecer para ser respeitado?  Quanto mais teria de estudar para não ser humilhado?  E quanto tempo seria necessário para convencer os detentores dos meios de produção, os empresários, os burgueses, de que o salário era sacrossanto, e que sua ausência podia fazer qualquer um verter pelos olhos quilos de sal?  Ao invés de se darem conta disso tudo e agirem de acordo, os caloteiros em questão disseram, indiretamente no momento de falar, diretamente no momento de agir:
       — Rapazinho, vai demorar o pagamento, pelo qual os vários, revezados e anônimos responsáveis não se responsabilizam.  Então, fique quietinho como o bom desafortunado que é.  Não queremos ouvir seus queixumes.  Quem pensa que é?  Só porque trabalhou e não recebeu no tempo prometido acha que pode nos pressionar?  Faça o favor de não desperdiçar o tempo que poderíamos preencher tomando banho de mar como pessoas que têm mais dinheiro que você, um peão insignificante.

***

       Vinte horas.  Deitado na cama, imaginava-se arrancando as tripas dos caloteiros.  Em devaneios mais rápidos que o sono, o qual lhe pregaria os olhos, degolava os antagonistas em movimentos marciais que nem Akira Toriyama nem Ed Boon imaginariam.

***
       O relógio marcava três horas.  Levantara-se em plena madrugada mesmo.  A barba era apoucada, como o dinheiro.  Passando os dedos por ela em frente ao espelho do banheiro, sentiu as espinhas e, repentinamente, se deu conta do que era uma verdade espinhosa: Ulisses no nome — Telêmaco na cara.  E esta verdade foi prelúdio de outras, imediatamente posteriores, como a chuva e o frio que caem depois do trovão: Voltara a Teresópolis, mas parecia que estava na Grécia.  O passado era angustiante, o futuro, promissor, mas o presente — presente de grego.


(Teresópolis, 22/12/2015.)

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

REY DE LUZ

Nobre coração valente de areias,
Dás a volta por cima desse pó:
Subvertes toda injustiça a sós,
Com o Fim de Beber total, inteira,

A justiça resistente que lava
A sujeira, a justiça a que levas
O tesouro da esperança.  Nas trevas,
Reluz qual planos que Leia roubava.

És uma agulha de brilhantes entre
Toda a sucata.  Aguenta essa carga
Com a doçura que só Daisy sente.

Tu me encorajaste!  Leia carrega
O que Carrie a ela empresta na saga,
Mas és luz com o mistério que te cerca.


(Teresópolis, 7/5/2016.) 

domingo, 17 de dezembro de 2017

STAR WARS PARA LEIGOS

Márcio Alessandro de Oliveira[1]

Não deve ler este resumo quem viu e entendeu todos os filmes de Star Wars.  Mas, se você, que está lendo isto agora, confunde Jornada nas Estrelas com Guerra nas Estrelas, deve ler até ao fim.
É preciso entender que Star Trek (Jornada nas Estrelas) nada tem que ver com Star Wars: esta série surgiu depois. Em 1977 foi lançado o primeiro filme, que ao Brasil chegou em 1978. Aqui recebeu o título Guerra nas Estrelas.
Esse primeiro filme era, na verdade, o quarto episódio de uma série. Era vontade de George Lucas (1944, cidade de Modesto, Califórnia), autor e diretor do filme, dar à película o subtítulo Episódio IV, mas a Fox não permitiu, pois achou que o público ficaria confuso. Afinal, não havia filmes anteriores.
Vieram duas continuações; assim, fez-se uma trilogia. O segundo filme (de 1980) recebeu o subtítulo Episódio V, e o terceiro (de 1983), o subtítulo Episódio VI. Em 1999, foi aos cinemas o Episódio I, sucedido pelos episódios II e III nos seis anos seguintes.

Star Wars: Episódio I: A ameaça fantasma (lançado em 1999)

Este filme, assim como os outros, NÃO se passa no futuro: sua história foi “há muito tempo, numa galáxia muito, muito distante”. Naquela galáxia, há um regime político extremamente falho e corrupto: a República, com os três poderes: o executivo, na figura do Chanceler Supremo (na prática, um presidente) e na figura dos chefes dos sistemas e planetas (democraticamente eleitos), o legislativo, que exercem os senadores, e o judiciário.
A República era protegida pelos Cavaleiros Jedi, guardiões da paz e da justiça que usavam a Força, energia que lhes dava onisciência, premonições e a capacidade de mover objetos sem tocá-los.
O pequeno planeta Naboo sofreu um bloqueio ilegal arbitrariamente imposto pela Federação do Comércio, armada até aos dentes. A rainha, eleita pelo povo, não aceita. Tudo teria sido resolvido por dois cavaleiros Jedi, Qui-Gon Jinn e seu aprendiz, Obi-Wan Kenobi, se estes não tivessem sofrido uma tentativa de assassinato na sede da Federação. Depois de escaparem numa nave que só não foi destruída graças às intervenções de um robô astromecânico e cilíndrico chamado R2-D2, tiram a rainha do planeta e vão, numa fuga muito perigosa, ao planeta Tatooine, destino indesejável em que acham um garoto especial de dez anos chamado Anakin Skywalker, que mora com a mãe o robô humanoide C-3PO. O mestre Jedi da dupla percebe que a Força é poderosa no garoto e decide treiná-lo. Tomada a decisão, encontram um Sith, guerreiro de uma ordem que quer a destruição de todo Jedi. Quando chegam à capital da República para denunciar ao congresso os abusos da Federação, a Rainha percebe que o senado, corrupto, não acredita nela. Por sua vez, o Conselho Jedi, que valoriza muito as opiniões de mestre Yoda, um alienígena baixinho e verde com mais de 900 anos de idade, nega-se a aceitar Anakin por ouvir do ancião verde que o menino poderia ir para o lado sombrio da Força, embora ele pudesse ser o Escolhido, um sensitivo à Força de que fala uma antiga profecia.
No fim, a Federação é derrotada, o mestre Qui-Gon Jinn morre lutando contra o Sith, chamado Darth Maul, e Anakin se torna discípulo do ex-aprendiz de Qui-Gon, Obi-Wan. Ninguém sabe se o Sith derrotado era mestre ou aprendiz. A única certeza era a de que sempre houve dois Sith: um mestre e um discípulo. O provável era que o mestre de Darth Maul estivesse vivo, despercebido e inatingível como o fantasma de uma ordem que no passado causou grandes problemas à ordem Jedi e agora voltava a assombrar a Galáxia não só como lembrança, mas também como possibilidade de risco aos olhos dos guardiões da paz e da justiça. Pode-se dizer que um fantasma passa a rondar a Galáxia...
Ponto importante: O supremo chanceler é deposto e em seu lugar fica o senador Palpatine, do planeta Naboo (o mesmo planeta que sofreu o bloqueio da Federação do Comércio).

Star Wars: Episódio II: Ataque dos clones (lançado em 2002)

            Dez anos depois dos abusos da Federação, a República enfrenta um movimento separatista (de que faz parte a citada Federação), que pode usar armas para estabelecer um novo governo. O senado amplia os poderes do chanceler, que usa um exército de clones misteriosamente encomendado dez anos atrás para proteger a República. Começa, assim, uma guerra civil que fará com que o senado perca muitos poderes. Antes dela, o vaidoso e destemperado Anakin vê a mãe morrer na vida real (ele já previa a morte dela em sonhos). Depois do início da guerra, casa com a senadora Padmé Amidala, ex-rainha de Naboo, ato proibido pelo Conselho Jedi, que não toma conhecimento do fato. São testemunhas do casamento R2-D2 e C-3PO.
Detalhes interessantes:
            1.  Mostra-se a planta de uma construção esférica que é idêntica a uma estação espacial presente nos episódios III e IV.
2.  O chanceler Palpatine diz assumir com “pesar” os poderes a ele concedidos pelo senado.  “Eu amo a democracia”, diz ele, “eu amo a República”. Com isso tentou expressar que lamentava entrar em guerra. Esse discurso é hipócrita: não convence mestre Yoda; e pode ser visto como crítica a Bush, que levou os E.U.A. à guerra contra o Iraque (o filme foi lançado em 2002).

Star Wars: Episódio III: A vingança dos Sith (lançado em 2005)

            Três anos após o início da Guerra dos Clones, ela está perto do fim. No entanto, a Constituição foi dilacerada: fizeram-se muitas emendas, de modo que o chanceler se tornou muito poderoso e autônomo, características necessárias à rápida tomada de decisões de guerra, mas perigosas para a democracia. A República se tornou o mal que ela jurara combater: a guerra enfraqueceu-a enquanto o chanceler Palpatine se fortaleceu. O Conselho Jedi decide que, finda a guerra, ele será deposto; entretanto, Palpatine, com mentiras e veneno, manipula Anakin, que fica confuso e dividido. O jovem Skywalker decide confiar no chanceler, pois só ele pode evitar que sua esposa, que está grávida, morra como acontece nos sonhos premonitórios que tem...
Palpatine sabe persuadir e manipular: foi ele quem, com duas identidades, a de chanceler e a de mestre Sith, controlou os separatistas e, consequentemente, os rumos da Guerra dos Clones. Q           uase todo Jedi se torna alvo do poder político e destruído por traição. Terminada a guerra, o chanceler, cujas decisões causaram a derrota dos separatistas, declara-se imperador e recebe o apoio do senado.
No planeta vulcânico de Mustafar, Anakin luta contra seu mestre, Obi-Wan, e tem as pernas e um braço cortados e o corpo carbonizado.
O Imperador, também conhecido como Darth Sidious (todo Sith tem Darth no nome como aglutinação de Dark Lord of Sith, ou seja: Senhor Sombrio dos Sith), tem um discípulo, que ajudou a aniquilar a ordem Jedi: Darth Vader, que não sabe que Padmé Amidala, mulher de Anakin, deu à luz o filho de Skywalker, Luke. Morre de desgosto logo depois do parto (ela estava profundamente abalada com os últimos acontecimentos).
            Leia é adotada por Bail Organa, senador de Alderaan (que se tornará vice-rei do planeta), R2-D2 e C-3PO ficam sob a tutela de Organa (que ordena que seja apagada a memória de C-3PO) e Obi-Wan Kenobi leva Luke para Tatooine, para o menino ser criado pelos tios sob a distante e discreta vigilância de Kenobi.
Informação interessante: No DVD, há cenas de cunho político muito reveladoras (que infelizmente foram excluídas do filme definitivo): Em uma ou duas delas, um grupo de senadores pede que Padmé faça parte de uma aliança de senadores cujo objetivo deverá ser apenas garantir que o chanceler se comprometa formalmente a devolver os poderes que acumulou em virtude da guerra. Isso, para o grupo, não é o mesmo que se unir ao combatido movimento separatista. Na outra cena, o grupo, liderado pela senadora de Naboo, vai ao gabinete do chanceler para pedir que ele assine um acordo pelo qual ele iria se comprometer a restaurar a democracia depois da guerra, para que não fosse implantada uma ditadura civil que comandasse as forças militares. O chanceler, porém, recusa-se a assinar o que for e diz que um compromisso feito de viva voz é suficiente para os senadores confiarem nele.

Star Wars: Episódio IV: Uma nova esperança (lançado em 1977)

Dezenove ou vinte anos depois do surgimento do temível Império Galáctico, a Aliança Rebelde, também conhecida como a Aliança de Restauração da Velha República, ou simplesmente a Aliança, um grupo de combatentes que luta contra o Império, obtém dados técnicos da Estrela da Morte, uma estação espacial esférica do tamanho de uma lua capaz de destruir um planeta inteiro.
À frente da interceptação dos dados roubados por uma das equipes rebeldes esteve uma nave que não fez parte da operação: a da princesa Leia Organa (que também é senadora do planeta Alderaan).  Infelizmente, Darth Vader, o mesmo Lord de Sith que assassinara cavaleiros Jedi, sequestrou a nave Tantive IV, em que fugia a princesa e senadora Leia Organa. Antes, porém, de encarar Vader, a princesa guarda os dados da Estrela da Morte na memória do robô R2-D2, que, acompanhado por C-3PO, vai a Tatooine, à procura de Obi-Wan Kenobi.
Os robôs vão parar na fazenda de Luke Skywalker, que os leva ao velho Jedi. Com a ajuda do rapaz e do contrabandista Han Solo e seu companheiro, Chewbacca, o velho toma o caminho para Alderaan, onde entregaria os planos da Estrela da Morte ao pai de Leia. No entanto, o planeta havia sido destruído pela estação, e a nave de Solo é puxada pelo raio de tração da Estrela da Morte.
Nela, Kenobi enfrenta Vader, e Luke, Han, Chewbacca, R2-D2 e C3PO resgatam Leia. Livre, a princesa se dirige à base secreta da Aliança, que fica numa lua de Yavin (Yavin 4), onde se analisam os dados da Estrela da Morte e se acha um ponto fraco, que, depois de atingido por um tiro de Luke, que usa a Força, desencadeia a explosão da estação espacial.
Informações importantes:
            1.  Esse foi o primeiro filme lançado (e no Brasil ficou inicialmente conhecido como Guerra nas Estrelas), mas, como se vê, conta a quarta parte da história.
           2. As ideias para Star Wars, inspiradas em Flash Gordon (que dos quadrinhos foi para o cinema em 1936), foram condicionadas por um governo anterior ao lançamento do Episódio IV. Trata-se do regime de Richard Nixon, republicano eleito em 1968 para ser presidente e reeleito em 1972. Foi ele o terceiro presidente ianque a lidar com a Guerra do Vietnã, em que forças internacionais alinhadas com a extinta União Soviética e China deram apoio ao lado vietnamita do norte, ao passo que os E. U. A. deram apoio ao lado do sul. A Aliança Rebelde é claramente inspirada nos vietnamitas do norte, um grupo menor e mais fraco do que as forças imperialistas estadunidenses. Embora Nixon tivesse conseguido trazer de volta os prisioneiros de guerra, esteve envolvido no escândalo do caso Watergate. A Guerra do Vietnã dividiu os E. U. A. em dois, e foi inevitável o sentimento gerado pela derrota que naquela guerra sofreram os americanos.      
3.  A batalha que termina com a destruição da Estrela da Morte é conhecida como Batalha de Yavin. Ela é marco cronológico: é comum um acontecimento ser situado antes ou depois dela, assim como fatos históricos são situados antes ou depois de Cristo.

Star Wars: Episódio V: O Império contra-ataca (lançado em 1980)

            O Império encontra a nova base Rebelde, que é impiedosamente atacada por Vader e sua tropa. Leia, Han Solo, Chewbacca e C-3PO fogem, e Luke e R2-D2 vão ao planeta Dagobah por sugestão de Obi-Wan Kenobi. Lá, Luke conhece o exilado mestre Yoda (o mesmo do Episódio I), que decide treinar o jovem Skywalker. Enquanto ele é treinado, Leia e Han, que se apaixonam um pelo outro, vão buscar refúgio na Cidade das Nuvens, do planeta Bespin, onde mora Lando, um velho amigo de Han. Depois de algum tempo e uma boa recepção, a princesa e o ex-contrabandista descobrem que Vader já havia chegado lá antes deles. Leia é poupada e supostamente tem o direito de fugir; Han, contudo, é torturado por Vader para que Luke, através da Força, note o sofrimento do amigo e vá ao seu resgate, ou seja: a tortura de Han é uma armadilha para Skywalker. Luke interrompe o treinamento contra a vontade de Yoda e Kenobi e enfrenta Vader, que faz uma revelação terrível. No fim, Luke e Leia escapam, mas Han não: ele fora congelado para ser entregue a Jabba, um mafioso a quem Solo deve dinheiro.

Star Wars: Episódio VI: O retorno de Jedi (lançado em 1983)

            Luke, Leia, Chewbacca, Lando, R2-D2 e C-3PO resgatam Han Solo. Luke visita Yoda pela última vez. O velho Jedi morre; depois, Luke tem uma conversa reveladora com Kenobi não só sobre Anakin Skywalker, mas também sobre sua irmã gêmea, que fora separada dele para que o imperador não os encontrasse. Afinal, eram filhos do Escolhido, e portanto deviam ser uma ameaça em potencial ao mestre Sith que derrubara a República e a democracia.
Ciente da verdade, Luke se une à Rebelião e, ao lado de Leia e Han, toma ciência dos últimos feitos da Aliança: Ela enviara espiões que descobriram que a nova Estrela da Morte, ainda inacabada, é protegida por um campo de força gerado a partir de uma base que fica numa lua de Endor, base a que espiões rebeldes tiveram acesso graças a um código que descobriram à custa das próprias vidas. Os rebeldes entram em ação para destruir a base e assim permitir que naves da Aliança destruam a estação. No entanto, isso não é tarefa fácil.
Luke nota a presença de Vader e decide enfrentá-lo. Os dois vão à Estrela da Morte, onde Luke conhece o imperador, que assiste ao duelo entre o jovem Jedi e o Sith.
Morrem Vader e o imperador: este sendo mau até ao fim, aquele depois de arrepender-se e assumir sua verdadeira identidade: a de um Jedi (daí o subtítulo O retorno de Jedi). Luke leva o cadáver do redimido Vader; logo em seguida, a segunda Estrela da Morte explode.
Depois de cremar o corpo de Vader (num funeral que merecem os cavaleiros Jedi mortos), Luke se une a Han e Leia na comemoração da Aliança. Toda a Galáxia comemora a morte do imperador. Subentende-se que a Rebelião finalmente conseguiu projetar a luz da liberdade com uma chama que nunca se apagou em meio a tantas tempestades na Galáxia, onde certamente os rebeldes fundarão a Nova República.
Curiosidades:
            1.  O subtítulo Return of the Jedi deveria ter sido traduzido por O retorno dO Jedi, mesmo se não houvesse o the no original.
            2.  Durante as filmagens, espalhou-se o rumor de que o subtítulo do filme seria Revenge of the Jedi (A vingança do Jedi), mais parecido com o do Episódio III.

Star Wars: Episódio VII: O despertar da Força (lançado em 2015)

            George Lucas chegou a planejar nove filmes de Star Wars (e há quem diga que teria planejado doze, um rumor que decididamente exige apuração de fatos), mas desistiu da ideia e se contentou com seis. Contudo, em 2012 vendeu os direitos da série para a Disney, que no mesmo ano anunciou o sétimo filme, cuja estreia foi em novembro de 2015.
Trinta anos depois da queda do Império e da morte de Darth Vader, a Primeira Ordem, surgida das cinzas do derrotado regime político do Imperador, age com um único propósito: derrubar a Nova República e tudo aquilo por que Leia e os outros heróis tanto lutaram. Não bastassem as ações de Snoke, o Líder Supremo da Primeira Ordem, Luke Skywalker está desaparecido. Por isso, a General Leia Organa ordena que o mais valente piloto da Resistência, a qual defende a Nova República, vá a um planeta onde vive a única pessoa que tem a pista indispensável à tarefa de encontrar o cavaleiro Jedi.
Entretanto, o piloto, chamado Poe Dameron, não é o único que deseja encontrar Luke: a Primeira Ordem também deseja, e é justamente por esse motivo que Kylo Ren, seu leal seguidor, vai ao mesmo planeta. Nele, encontra e sequestra Poe, que, antes de confrontar seu antagonista, consegue garantir a fuga do robô BB-8, que foge com parte do mapa que pode revelar o paradeiro de Luke.
Por “coincidência”, BB-8 encontra Rey, uma garota sensitiva à Força que conhece Finn. Ao lado dele encontra Han Solo. Depois de serem atacados pela Primeira Ordem, Rey é sequestrada por Kylo Ren, que descobre que a Força é poderosa nela. Enquanto isso, os heróis descobrem que a Primeira Ordem planeja destruir a base da Resistência usando a Star Killer, uma estação bélica do tamanho de um planeta com poder para destruir cinco planetas de uma vez. Cabe aos pilotos da Resistência destruir a Star Killer, ao passo que a Finn e Solo coube a missão de enfraquecer o campo de força de proteção da base inimiga. Tais operações culminam num confronto entre Kylo Ren e Rey. Esta, apesar da falta de treinamento, consegue superar e subjugar Kylo, líder dos cavaleiros de Ren, isto é: líder de uma ordem que não é nem Jedi, nem Sith.

Universo Expandido

            Todas as histórias que se passam anos antes do Episódio I ou séculos depois do Episódio VI ou mesmo entre dois episódios da série formam o Universo Expandido, contado em livros, revistas em quadrinhos, séries, desenhos animados, livros (romances), etc. Uma história que se passe 3.000 anos antes da Batalha de Yavin, por exemplo, faz parte do UE, cuja canonicidade às vezes é discutível.

(Duque de Caxias, RJ, 13/10/2017; Guarapari, 12/6/2020.)


[1]   Licenciado em Letras (Português e Literaturas) pela Universidade Federal Fluminense, mestre em Estudos Literários pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor efetivo de uma rede pública de ensino.         


sábado, 9 de dezembro de 2017

A PRINCESA REBELDE

 (A Carrie Fisher (21/10/1956-27/12/2016) e a Dilma.)

Leia, lês galáxia como ninguém.
Linda, tens essa lente da nobreza
Presidindo a cada gesto, e destreza,
Com que discursas e atiras também.

Tua mente é uma balança: Nas armas
Pegas tão bem espacialmente bela
Numa guerra cósmica em que tua cela
Não sela, mesmo com tortura, a calma.

Luke te salva, e com ele costuras,
Constelando o futuro no veloz
Da luz, a democracia que nós

Desatamos, brilhante, da ditadura,
Que escurece os céus, nos quais a coragem
De teu peito rebelde qual sóis arde.


(Márcio Alessandro de Oliveira.  Teresópolis, 7/5/2016; 3/1/2017; 7/5/2016; Santa Lúcia, Imbariê, 18/8/2017; 9/12/2017.)

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

LITERATURA E POLÍTICA

“... não há necessidade alguma de trazer a política para o âmbito da teoria literária: como acontece com o esporte sul-africano, elas estão juntas há muito tempo.”  (Terry Eagleton. *)

É real uma das funções da literatura: provocar o leitor de modo a causar um estranhamento (ou causar um estranhamento de modo a provocar quem lê o texto literário).  Trata-se de um conceito dos formalistas russos.  Ele, o estranhamento, é um efeito que se produz quando o leitor é tirado do lugar-comum ou da zona de conforto e encara o conteúdo do texto literário como se pela primeira vez estivesse entrando em contato com seu teor.
Até onde sei, o fenômeno que postulavam os formalistas exige uma condição: a literaturidade, que é o tratamento especial dispensado à língua, ou seja: o uso especial do idioma. 
O que me espanta é que, embora parte dos formalistas russos estivesse envolvida com o movimento bolchevista, é possível dizer que eles considerariam o stalinismo um "mero" pretexto para a alegoria de A Revolução dos Bichos (romance que é de 1945 e, portanto, posterior à Revolução Russa), como se o momento histórico fosse um fator secundário na produção de um romance ou de um poema.  Mas os fatos históricos não ficam em segundo plano: eles condicionam a literatura, cuja estrutura é moldada pela realidade do autor, e é justamente por isso que precisamos estudar elementos externos ao discurso literário. 
Além disso, para Walter Benjamin (se não me engano), ou para o restante da Escola de Frankfurt (que infelizmente não tem as ideias tão divulgadas quanto as da maldita e maligna Escola de Chicago), o fascismo estetizava a política (como acontece na recente e infame película que faz lavagem cerebral em quase todos), enquanto aos artistas de esquerda cabia a tarefa de politizar a estética.  Quero fazer isso: quero politizar o texto literário, que, quando é político ou politizado, acaba sendo classificado como panfleto, como se isso fosse demérito.  Na verdade, o "panfleto" é tão necessário quanto o estranhamento, o qual, no Estado de exceção causado pelo golpe de Estado em curso, não é apenas real: é também indispensável.
Talvez um dia os “acadêmicos” de Teresópolis e outras cidades “paradisíacas” façam um debate sobre o assunto.  Afinal, os “estudiosos” e os “literatos” das aldeias com certeza valorizam a pesquisa e a fundamentação teórica de teses sobre literatura.

____________

(*) Teoria da literatura: uma introdução.  Trad. Waltensir Dutra.  São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 294.

MAMÃE, EU SOU “PETRALHA”!

“Primeiramente, fora, Temer!”  (Frase espalhada nas redes sociais.)

Mamãe, eu sou “petralha”!
Também sou ateu e comunista!
Lula e Dilma 
beneficiaram os que saíram da senzala,
e meu bom-senso me tirou da caverna.

Quero erguer duas estátuas
(depois de obter em Pessoa,
em Cuba, a matéria-prima):
uma para Lula e outra para Dilma.
Aos pés de ambas farei oferendas
como a um orixá:
depositarei coxinhas cheias de sangue de galinha
de qualquer cor embrulhadas com folha de pamonha,
e a elas nem o mais faminto dos cães de rua vai querer comer:
nelas todos eles vão urinar, de modo que serão fertilizadas
as rosas vermelhas
ainda por plantar num jardim
em forma de estrela,
que reluzirá com a luz rósea da manhã.

Sob as estátuas, estarão o pó de Aécio e a caveira de Temer!

(Márcio Alessandro de Oliveira.  Teresópolis, 8/8/2016.)

COBRANÇAS


Cobrança.
Cobrança.
Cobrança.
Cobra.
Cobra.
Cobra.
Cova.

       Não sei como sobrevivemos a tantos comandos, a tantas exigências, a tantas expectativas. Envenenam o espírito. E o corpo é que padece.


(Duque de Caxias, 10/3/2015.)

VIVENDAS

Vivendas à venda no mercado.
Aí vem vindo o futuro morador.
Viver é morar;
Morar, segundo a moral do mercado,
É pagar, pagar até morrer,
Pagar e votar com a mão direita,
Por medo irracional da cor vermelha,
Com a mesma mão que limpa a piscina
E tira as fezes do cachorro de raça do quintal
(Nos dias de folga da empregada, é claro).


(Teresópolis, 10/12/2015.)