“Há de tomar (...) uma só matéria, há de defini-la
(...), há de dividi-la (...), há de prová-la (...), há de declará-la com a
razão, há de confirmá-la com o exemplo, há de amplificá-la com as causas, com
os efeitos (...), há de impugnar e refutar (...) os argumentos contrários. (...)
e o que não é isto é falar de mais alto.” (Padre Antônio Vieira, mencionado por Ulisses
Infante em Curso de Literatura de Língua
Portuguesa.)
Pastores
evangélicos contam com um poderoso instrumento de persuasão e controle: a
palavra falada, que é muito diferente da palavra escrita. Esta não conta nem com as inflexões de voz,
nem com os gritos, nem com os gestos corporais.
Essas linguagens não-verbais são poderosos instrumentos que auxiliam o
discurso falado e, portanto, o ofício de dominar rebanhos de espíritos pobres,
doentes, iletrados e pouco críticos que vão à igreja.
Como
muitos dos pastores são iletrados, é natural que usem a oratória, e não a
retórica escrita. Contudo, mesmo se
fossem mais cultos, não se atreveriam a depositar suas chances de ascensão e
dominação apenas nos discursos redigidos: a plebe rude que manipulam não lê, e,
para eles, isso é muito vantajoso, pois que podem recorrer à retumbância, ao
impacto da entonação e do grito (que continuariam a ser as suas ferramentas
preferidas mesmo se os manipulados fossem leitores; a prova disso é Hitler, que
não dependeu do seu livro, Minha Luta,
para dominar a Alemanha: dependeu da oratória hipnótica). Independentemente do grau de letramento do
pastor, para ele é indispensável a oratória inflamada.
Um
exemplo: Se eu escrevo: “Conseguimos um crescimento de apenas 1%, enquanto os
outros países conseguiram um de 30%”, há informação pura e simples: não comove
(com exceção de casos de pessoas que dependam de um crescimento muito acima de
1% para evitar um ataque do coração, por exemplo) nem influencia a opinião do
leitor de forma muito explícita. Mas se
eu falo: “Conseguimos um crescimento de apenas [aqui a voz fica baixa e fina; o rosto se contorce] 1%, enquanto os
outros países conseguiram um de [aqui o
falante aumenta o tom da voz sem deixar de erguer as sobrancelhas] 30”. Essa técnica os pastores conhecem, e
levaram-na ao extremo. O 30 fica destacado, o ouvinte perde a
capacidade de pensar na diferença entre porcentagens e números reais e se deixa
levar pelo sentimento que cega.
Não
é de surpreender que prefiram os sacerdotes protestantes a oratória à redação:
herdaram dos judeus o hábito de valorizar a audição para “ouvir a voz de Deus”,
ao passo que a visão, sentido que, segundo leio, era mais valorizado pelos
gregos, ficou em segundo plano. Mas é
pela audição que vem a cegueira.
Conclamo
que todos os professores de língua se rebelem contra a manipulação dos
pastores. É fundamental que esclareçamos
os espíritos para que não sejam possuídos pelas ideias danosas das igrejas. Para isso, é fundamental uma educação
linguística de qualidade, uma educação que contemple a prática de bem falar e a
de bem escrever aliadas à dialética e à dialógica: só elas podem evitar que
inocentes caiam nas armadilhas de quem só convence por falar mais alto.
(Márcio Alessandro de Oliveira,
professor de Literatura, Português e Redação.
Imbariê, 30/5/2015.)