quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Manifesto em defesa do trabalho docente: Um breve libelo contra as condições ultrajantes de trabalho

 

Márcio Alessandro de Oliveira. Guarapari, ES, 25/10/2023.

 

Prezados colegas:

 

Estou compartilhando com vocês um passo a passo que poderá anular circunstâncias degradantes do ambiente de trabalho. Vejamos:

 

1.      Abandonem a ideia de que a escola pública é igual a uma empresa privada.   

Nosso compromisso maior não é com o Estado, nem com o governo, mas sim com a sociedade, já que é ela que dá razão de ser a eles, e não o oposto: somos servidores públicos, e não serviçais particulares desta ou daquela personalidade política, vulneráveis ao sabor do vento ou da moda. Portanto, não cabe na instituição escolar a ideologia patronal. A premissa de que sejamos funcionários iguais aos da iniciativa privada é um despautério que nos diminui. Somos tratados como profissionais de nível fundamental ou médio, e não como profissionais de nível superior. Ora, as organizações privadas são efêmeras, e digo isso porque empresas são abertas e fechadas o tempo todo, enquanto as instituições públicas, como os tribunais, permanecem, e o objetivo dos tribunais não é o lucro. Se juízes e promotores não trabalham dentro da lógica empresarial, por que o professor, que é responsável pela formação daqueles profissionais, deveria se sujeitar à lógica mercantil? A resposta, pelo visto, está numa circunstância que, em verdade, são dois fantasmas que têm de ser exorcizados: o do Brasil-Império e o da ditadura militar. Naqueles dois tempos, o magistério sempre foi rebaixado e esmagado por burocratas. Com o neoliberalismo e o totalitarismo fascista de Bolsonaro, a lógica empresarial-mercantil ficou ainda mais forte. Não é à toa que é expressivo o número de designações temporárias nos quadros do magistério público. E é nesse cenário que a figura do gestor se consolida dentro da escola, onde se fortalece o pensamento de seita tanto quanto o de união em torno de ideologias incompatíveis com a res publica (a coisa pública), de modo que a escola é tratada como se fosse uma empresa familiar, fato que se coaduna com as indicações políticas e com as relações de compadrio e poder. Não se respeita, pois, o princípio da impessoalidade. A meritocracia (o merecimento) não é o critério para a escolha do diretor, que talvez nem mais exista, uma vez que se usa a expressão gestor escolar. Os diretores nem sequer são eleitos democraticamente. Existem diretores que nunca, jamais, lecionaram! Ora, se só um médico pode dirigir um hospital, por que um indivíduo que nunca lecionou pode dirigir uma escola? Esse é um dos sinais de que as secretarias de educação têm o mercado como condição, a burocracia como meio e o lucro como fim.

 

2.      Não pode haver hierarquia.

Se entre advogados, juízes e promotores não há hierarquia (talvez nem sequer assimetria), por que pedagogas, coordenadores e diretores estariam acima de nós? No “santo” ofício burocrático de fiscalizar o trabalho docente, e disso é prova o fato de usarem assistentes de alunos especiais para vigiar professores que sofram uma caça às bruxas, pensam as pedagogas que conhecem todas as metodologias e que por isso podem nos avaliar. Assim, criou-se o costume de culpar o professor por ele supostamente não incentivar alunos, mesmo que estes sejam recalcitrantes, grosseiros e indisciplinados ao ponto de se autoexcluírem do aprendizado. Apesar de todo o amparo regimental, legal e estatutário, o professor competente tem de lidar com opiniões ineptas e anticientíficas que orientam o “trabalho” das pedagogas. Estas se tornaram capitãs do mato da educação. Daí a importância de extinguir o cargo de supervisor, o de inspetor e todos os outros cargos obsoletos exercidos por pessoas que não são responsáveis por ensino nenhum, ainda que trabalhem em salas climatizadas, enquanto alunos e professores sofrem com altas temperaturas em salas de aula com ventiladores queimados ou quase caindo aos pedaços.

 

3.      Os métodos de alfabetização devem ser predominantemente sintéticos e fônicos.

A Pedagogia, em sua desonestidade intelectual, insiste em vigiar e culpar professores no fracasso que é a escola pública brasileira. Pois bem: quantas pedagogas lecionam na educação infantil? Quantas lecionam no ensino fundamental I? As “tias” aplicam métodos sintéticos e predominantemente fônicos? Na fase da escrita, que é a do ditado, verificam se os alunos usam corretamente letras maiúsculas, minúsculas e cursivas? No 2º Ano, fazem os alunos uso do caderno de caligrafia? Ou predomina a estupidez do método analítico e global? Os alunos superam a fase icônica de alfabetização? Que epistemologia orienta o trabalho delas? Será aquela que diz que devem cortar e colar papel e desenhar matinho e florzinha? Os alunos chegam ao ensino fundamental II com várias defasagens, e isso não pode ser explicado pela classe social, que ela não é um determinismo.

 

4.      As salas devem ser minimamente bem equipadas.

É absurdo que burocratas trabalhem em ambientes climatizados, enquanto alunos e professores sofrem no verão e depois dele em salas abafadas, com ventiladores precários. Existem escolas onde existe apenas um banheiro para os docentes! Essa é a prova cabal da malversação do dinheiro do contribuinte, porém, acima de tudo, é a prova cabal do desrespeito e do desprezo pelo trabalho docente.

 

5.      É preciso respeitar a laicidade do Estado.

Existem diretores que fazem orações no primeiro dia de trabalho docente ou na abertura do conselho de classe. Ou a reza é católica, ou é evangélica. Ora, se um umbandista não pode cantar ponto para Exu em tais situações, diretores não podem fazer orações na escola pública.

 

6.      Abandonem a noção de clientela.

As leis do mercado não podem ser absolutas. Infelizmente, graças a certas ideologias de direita e a seitas evangélicas, eivadas de teologia da prosperidade, cada dia mais diminui-se a autoridade do professor, cujo cliente ou são as famílias, ou são os alunos. Acontece que não somos empregados deles: nosso compromisso primeiro é com o futuro e com a sociedade, e não com o aluno. Para piorar, os gestores acham que o professor é mesmo empregado do aluno ou dos pais. Para os burocratas, são nossos clientes, e o cliente, na lógica mercantil, tem sempre razão. Seus filhos não podem nunca ter dificuldades na matéria. Ai do professor que contestar pais e mães, principalmente quando são integrantes da classe média, cuja burrice chega às raias do espantoso, e cuja arrogância é imitada pelas camadas que estão abaixo dela. Precisamos, dentro da lei, colocar tais pais, tais mães e tais alunos em seu devido lugar. Se eu falo mal de Bolsonaro em sala de aula, os pais têm de se conformar com isso e aceitar que seus filhos, por se comportarem mal e não estudarem em casa, são uma vergonha para a sociedade.

 

7.      O aluno pode sair de sala quando bem entender.

Não cabe aos coordenadores tirar do aluno o direito de ir e vir; nem cabe a eles (assim como não cabe aos gestores escolares) exigir que os professores pratiquem essa arbitrariedade. Quem será responsabilizado por uma eventual infecção urinária? Que ideologia militaresca é essa?

 

8.      Abandonem a supervalorização das avaliações externas.

A LDB é muito clara: Devem os aspectos qualitativos prevalecer sobre os quantitativos. A arte de pensar e o prazer de ensinar não podem ficar presos a ditames de ineptas avaliações externas, que nem sequer levam em conta as condições materiais e históricas em que se realiza o trabalho docente.

 

9.      Desconfiem do “argumento” do trabalho “em equipe”.

Essa história de “equipe” é só mais um produto da nefasta ideologia empresarial. Não é neutra a escolha da palavra equipe: nunca usam a expressão corpo docente. Além disso, no fim, o que prevalece é o indivíduo. Ora, o indivíduo cujos critérios têm de ser acatados é o professor, que é autoridade na disciplina que leciona, e isso não é palavrão, nem autoritarismo. É isso que dessacraliza os estúpidos mitos das pedagogas e dos burocratas, autoproclamados gestores da equipe pedagógica, uma instância que se considera superior aos docentes. É o professor que pode e deve decidir se um aluno pode ou não ser aprovado; é ele que pode e deve decidir que caminhos epistemológicos e que modelos de ementa devem ser seguidos. Muitos burocratas jamais lecionaram, e ficam exigindo o preenchimento de formulários a fim de justificar a sua presença nos sistemas de ensino. A burocracia deveria estar a serviço da educação escolar, gratuita, laica e de qualidade, e no entanto é a educação que está prestando serviços aos burocratas, cujo único fim é a reprodução da própria burocracia. Como podem praticar ingerências no trabalho docente, se tal trabalho eles nunca fizeram? Assim como a sujeira, o calor e a umidade criam o cenário para a proliferação de fungos e germes, esse tipo de ideologia tacanha cria o cenário para o uso de medidas predatórias e para o abuso do poder discricionário. Já se tornou lugar-comum que pessoas com baixo grau de letramento redijam relatórios ineptos sobre professores que não abaixam a cabeça para os desmandos dos gestores. Daí a importância de gravar as reuniões e lutar por direitos.


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