Márcio
Alessandro de Oliveira. Guarapari, ES, 25/10/2023.
Prezados colegas:
Estou compartilhando com vocês um passo a
passo que poderá anular circunstâncias degradantes do ambiente de trabalho.
Vejamos:
1. Abandonem
a ideia de que a escola pública é igual a uma empresa privada.
Nosso compromisso maior não é com o
Estado, nem com o governo, mas sim com a sociedade, já que é ela que dá razão
de ser a eles, e não o oposto: somos servidores públicos, e não serviçais
particulares desta ou daquela personalidade política, vulneráveis ao sabor do
vento ou da moda. Portanto, não cabe na instituição escolar a ideologia
patronal. A premissa de que sejamos funcionários iguais aos da iniciativa
privada é um despautério que nos diminui. Somos tratados como profissionais de
nível fundamental ou médio, e não como profissionais de nível superior. Ora, as
organizações privadas são efêmeras, e digo isso porque empresas são
abertas e fechadas o tempo todo, enquanto as instituições públicas,
como os tribunais, permanecem, e o objetivo dos tribunais não é o lucro. Se
juízes e promotores não trabalham dentro da lógica empresarial, por que o professor,
que é responsável pela formação daqueles profissionais, deveria se sujeitar à
lógica mercantil? A resposta, pelo visto, está numa circunstância que, em
verdade, são dois fantasmas que têm de ser exorcizados: o do Brasil-Império e o
da ditadura militar. Naqueles dois tempos, o magistério sempre foi rebaixado e
esmagado por burocratas. Com o neoliberalismo e o totalitarismo fascista de
Bolsonaro, a lógica empresarial-mercantil ficou ainda mais forte. Não é à toa
que é expressivo o número de designações temporárias nos quadros do magistério
público. E é nesse cenário que a figura do gestor se consolida dentro da
escola, onde se fortalece o pensamento de seita tanto quanto o de união em
torno de ideologias incompatíveis com a res publica (a coisa
pública), de modo que a escola é tratada como se fosse uma empresa familiar,
fato que se coaduna com as indicações políticas e com as relações de compadrio
e poder. Não se respeita, pois, o princípio da impessoalidade. A meritocracia
(o merecimento) não é o critério para a escolha do diretor, que talvez nem mais
exista, uma vez que se usa a expressão gestor escolar. Os diretores nem
sequer são eleitos democraticamente. Existem diretores que nunca, jamais,
lecionaram! Ora, se só um médico pode dirigir um hospital, por que um indivíduo
que nunca lecionou pode dirigir uma escola? Esse é um dos sinais de que as
secretarias de educação têm o mercado como condição, a burocracia como meio e o
lucro como fim.
2. Não
pode haver hierarquia.
Se entre advogados, juízes e promotores
não há hierarquia (talvez nem sequer assimetria), por que pedagogas,
coordenadores e diretores estariam acima de nós? No “santo” ofício burocrático
de fiscalizar o trabalho docente, e disso é prova o fato de usarem assistentes
de alunos especiais para vigiar professores que sofram uma caça às bruxas,
pensam as pedagogas que conhecem todas as metodologias e que por isso podem nos
avaliar. Assim, criou-se o costume de culpar o professor por ele supostamente
não incentivar alunos, mesmo que estes sejam recalcitrantes, grosseiros e
indisciplinados ao ponto de se autoexcluírem do aprendizado. Apesar de todo o
amparo regimental, legal e estatutário, o professor competente tem de lidar com
opiniões ineptas e anticientíficas que orientam o “trabalho” das pedagogas.
Estas se tornaram capitãs do mato da educação. Daí a importância de extinguir o
cargo de supervisor, o de inspetor e todos os outros cargos obsoletos exercidos
por pessoas que não são responsáveis por ensino nenhum, ainda que trabalhem em
salas climatizadas, enquanto alunos e professores sofrem com altas temperaturas
em salas de aula com ventiladores queimados ou quase caindo aos pedaços.
3. Os
métodos de alfabetização devem ser predominantemente sintéticos e fônicos.
A Pedagogia, em sua desonestidade
intelectual, insiste em vigiar e culpar professores no fracasso que é a escola
pública brasileira. Pois bem: quantas pedagogas lecionam na educação infantil?
Quantas lecionam no ensino fundamental I? As “tias” aplicam métodos sintéticos
e predominantemente fônicos? Na fase da escrita, que é a do ditado, verificam
se os alunos usam corretamente letras maiúsculas, minúsculas e cursivas? No 2º
Ano, fazem os alunos uso do caderno de caligrafia? Ou predomina a estupidez do
método analítico e global? Os alunos superam a fase icônica de alfabetização?
Que epistemologia orienta o trabalho delas? Será aquela que diz que devem
cortar e colar papel e desenhar matinho e florzinha? Os alunos chegam ao ensino
fundamental II com várias defasagens, e isso não pode ser explicado pela classe
social, que ela não é um determinismo.
4. As
salas devem ser minimamente bem equipadas.
É absurdo que burocratas trabalhem em
ambientes climatizados, enquanto alunos e professores sofrem no verão e depois
dele em salas abafadas, com ventiladores precários. Existem escolas onde existe
apenas um banheiro para os docentes! Essa é a prova cabal da malversação
do dinheiro do contribuinte, porém, acima de tudo, é a prova cabal do
desrespeito e do desprezo pelo trabalho docente.
5. É
preciso respeitar a laicidade do Estado.
Existem diretores que fazem orações no
primeiro dia de trabalho docente ou na abertura do conselho de classe. Ou a
reza é católica, ou é evangélica. Ora, se um umbandista não pode cantar ponto
para Exu em tais situações, diretores não podem fazer orações na escola
pública.
6. Abandonem
a noção de clientela.
As leis do mercado não podem ser absolutas.
Infelizmente, graças a certas ideologias de direita e a seitas evangélicas,
eivadas de teologia da prosperidade, cada dia mais diminui-se a autoridade do
professor, cujo cliente ou são as famílias, ou são os alunos. Acontece que não
somos empregados deles: nosso compromisso primeiro é com o futuro e com a
sociedade, e não com o aluno. Para piorar, os gestores acham que o professor é
mesmo empregado do aluno ou dos pais. Para os burocratas, são nossos clientes,
e o cliente, na lógica mercantil, tem sempre razão. Seus filhos não podem nunca
ter dificuldades na matéria. Ai do professor que contestar pais e mães,
principalmente quando são integrantes da classe média, cuja burrice chega às
raias do espantoso, e cuja arrogância é imitada pelas camadas que estão abaixo
dela. Precisamos, dentro da lei, colocar tais pais, tais mães e tais alunos em
seu devido lugar. Se eu falo mal de Bolsonaro em sala de aula, os pais têm de
se conformar com isso e aceitar que seus filhos, por se comportarem mal e não
estudarem em casa, são uma vergonha para a sociedade.
7. O
aluno pode sair de sala quando bem entender.
Não cabe aos coordenadores tirar do aluno
o direito de ir e vir; nem cabe a eles (assim como não cabe aos gestores
escolares) exigir que os professores pratiquem essa arbitrariedade. Quem será
responsabilizado por uma eventual infecção urinária? Que ideologia militaresca
é essa?
8. Abandonem
a supervalorização das avaliações externas.
A LDB é muito clara: Devem os aspectos
qualitativos prevalecer sobre os quantitativos. A arte de pensar e o prazer de
ensinar não podem ficar presos a ditames de ineptas avaliações externas, que
nem sequer levam em conta as condições materiais e históricas em que se realiza
o trabalho docente.
9. Desconfiem
do “argumento” do trabalho “em equipe”.
Essa história de “equipe” é só mais um
produto da nefasta ideologia empresarial. Não é neutra a escolha da palavra equipe:
nunca usam a expressão corpo docente. Além disso, no fim, o que
prevalece é o indivíduo. Ora, o indivíduo cujos critérios têm de ser acatados é
o professor, que é autoridade na disciplina que leciona, e isso não é palavrão,
nem autoritarismo. É isso que dessacraliza os estúpidos mitos das pedagogas e
dos burocratas, autoproclamados gestores da equipe pedagógica, uma
instância que se considera superior aos docentes. É o professor que pode e deve
decidir se um aluno pode ou não ser aprovado; é ele que pode e deve decidir que
caminhos epistemológicos e que modelos de ementa devem ser seguidos. Muitos
burocratas jamais lecionaram, e ficam exigindo o preenchimento de formulários a
fim de justificar a sua presença nos sistemas de ensino. A burocracia deveria
estar a serviço da educação escolar, gratuita, laica e de qualidade, e no
entanto é a educação que está prestando serviços aos burocratas, cujo único fim
é a reprodução da própria burocracia. Como podem praticar ingerências no
trabalho docente, se tal trabalho eles nunca fizeram? Assim como a sujeira, o
calor e a umidade criam o cenário para a proliferação de fungos e germes, esse
tipo de ideologia tacanha cria o cenário para o uso de medidas predatórias
e para o abuso do poder discricionário. Já se tornou lugar-comum que
pessoas com baixo grau de letramento redijam relatórios ineptos sobre
professores que não abaixam a cabeça para os desmandos dos gestores. Daí a
importância de gravar as reuniões e lutar por direitos.
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