“...
o sofrimento de um homem é o sofrimento de todos. A injustiça independe da
distância. Quando não é contido a tempo, o mal se espalha para atingir todos os
homens, tanto os que o combateram como os que o ignoraram.”
(FOSTER, Alan Dean; LUCAS,
George. Guerra nas Estrelas. Trad.
Ronaldo Sérgio Biasi. Rio de Janeiro: Record, 1978, p. 72.)
As abaixo assinadas e os abaixo
assinados, que são artistas e intelectuais orgânicos de Imbariê, distrito
caxiense em que fica o lugar de nascimento daquele que dá nome ao município de
Duque de Caxias, nesta nota pública, também assinada pelo representante da
Antiacademia Imbariense de Letras, por serem caxias, cumprem um dever moral e
ético: manifestam seu repúdio ao golpe de Estado em curso e à prisão política
de Lula, a qual é um golpe dentro do golpe.
Em verdade, também assinam esta nota trabalhadores e trabalhadoras dos
mais diversos ramos e estudantes de Imbariê.
Com base nos conhecimentos
proporcionados pela Literatura, percebemos que a imprensa fez de Lula um Goldstein,
mencionado no romance 1984, de George
Orwell. A diferença é que os Dois
Minutos de Ódio serão vinte anos de retrocessos. A manipulação midiática comprova o que Roman
Jakobson, linguista, já postulava: o uso da função conativa da linguagem,
graças ao qual a classe média reacionária brasileira, tal como os italianos que
usaram camisas negras no fascismo, foi às ruas com a camisa da CBF, uma
instituição inegavelmente corrupta. Isso
supostamente foi feito em nome do combate à corrupção.
É motivo de tristeza a onda fascista
que tomou conta do Brasil. Também é de
entristecer o ódio incondicional presente até mesmo em camadas populares. Igualmente lamentáveis são os deslocamentos
de sentido feitos pelas massas manipuladas pela imprensa quando o assunto é a prisão de Lula. Enquanto os que reconhecem os acertos do ex-presidente
identificam o sentido do sintagma prisão
de Lula com o sentido de ataque de um
mercado financeiro que suborna os que colocam um sino de leproso em Lula e no
Partido dos Trabalhadores, todas as pessoas que seguem
acriticamente a imprensa deslizam o sentido de prisão de Lula para a ideia ingênua de começo do fim da corrupção e de prisões de corruptos, como se seus
algozes fossem santos e imaculados ou como se a Globo fosse uma Virgem Maria. (Infelizmente, já há quem tenha chegado ao
extremo de pensar que cabe a Lula provar a própria inocência, quando na verdade
é à acusação que cabe a tarefa de provar que ele é culpado, já que o ônus da
prova recai sobre a acusação, e não sobre o acusado.) Da mesma forma, as massas alimentadas pelas
diárias e cavalares doses de veneno antipetista deslocam o sentido de defesa de Lula para o de defesa de bandido. Este último mote, por
sua vez, está vinculado a outras duas ideias: a de que quem defende bandido é
bandido também e a de que bandido bom é bandido morto (vale lembrar a tentativa
de homicídio contra um ônibus de uma caravana de Lula).
Sabe-se que a escolha de palavras
nunca é neutra, e diariamente a palavra condenação
foi usada pela imprensa no lugar de resultado
de julgamento.
Somando o que aqui se expõe ao fato
de que ninguém precisa ser petista nem de esquerda para entender que a prisão
de Lula é uma injustiça de cunho político, as pessoas abaixo assinadas entendem
que não se trata de defender propriamente o ex-presidente nem os erros do PT
(que tem sido sistemática e implacavelmente perseguido por seus acertos, e não
por seus erros): trata-se, antes de tudo, de defender a democracia e os
direitos políticos, econômicos e sociais, ameaçados que são pelo neoliberalismo
econômico, uma ideologia que privatiza os direitos básicos da população e da
mesma classe média reacionária que odeia Lula e Dilma, pessoas cujas diretrizes
políticas e econômicas beneficiaram esse mesmo estrato social com o Sisu e o
Prouni. Se tiram a presidenta do cargo
mesmo depois de não ter sido comprovado crime de responsabilidade fiscal em
forma de pedaladas fiscais — legalizadas logo depois do golpe —, e condenam um
ex-presidente sem provas cabais, então podem fazer com qualquer outro cidadão
qualquer tipo de arbitrariedade política ou qualquer injustiça típica de um
Estado de exceção. Contudo, os/as intelectuais
e os/as artistas que assinam esta nota têm voz — e não vão se calar diante das
arbitrariedades: vão lutar, à sua maneira, pela chama que projetará a luz da
esperança num país injustiçado e oprimido pelas tacanhas elites econômicas. Cada artista deste país pode e deve se unir à
classe trabalhadora para, juntos, serem a fagulha que acenderá a chama que dará
fim ao governo golpista, pois, se é que há esperança, ela está no proletariado. Em última análise, repudiar publicamente a
prisão de Lula e o impeachment é exorcizar um fantasma que tem se solidificado
ou que tem sido incorporado por um setor conservador da sociedade brasileira: o
fantasma da ditadura militar, implementada com o golpe de Estado de 1964.
Sabe-se que a prisão de Lula é um
ataque obsceno não apenas a uma pessoa, mas também a diretrizes políticas que começaram
a lidar, mesmo que de modo tímido e incipiente, com os verdadeiros problemas do
Brasil, a saber:
1. a herança da escravidão,
invisibilizada de todas as formas pelos que se opõem às cotas nas
universidades;
2. a corrupção do capitalismo
financeiro, que no rastro do neoliberalismo tira todo o dinheiro do povo e do
Estado, enquanto o neoliberalismo pratica o que sabe fazer de melhor (isto é:
de pior): privatizar todos os direitos (saúde, educação, segurança e lazer) e o
maior número de empresas estatais ao mesmo tempo que todos pensam que Sérgio
Cabral, um reles capataz do poder e bode expiatório, é sinal de que o Estado
não presta, embora o verdadeiro vilão seja o setor privado.
Dilma e Lula não compactuaram
plenamente com o mercado financeiro. Ela
teve de lidar com a queda do preço das commodities e com a livre retirada de
dinheiro por parte do mercado financeiro, que lucra com taxas de juros sem
produzir mercadorias nem serviços. Lula,
por sua vez, elevou o Brasil à posição de sexta maior economia do mundo com
revoluções que fortaleceram o Estado do Bem-Estar Social, fato imperdoável aos
olhos do mercado financeiro internacional.
Se no Brasil a população fosse
minimamente esclarecida, as ideias que hoje são de esquerda já seriam lugares-comuns
até mesmo entre direitistas, como na França e em outros países da Europa, o mandato
de Dilma teria sido respeitado e criticado na forma da oposição política, e não
na forma do impeachment golpista, e Lula jamais seria tão perseguido. A ele, contudo, está reservado um lugar de
ouro nas páginas dos livros de História, um lugar tão resplandecente quanto o
que se reservou a Mandela e Gandhi.
Márcio
Alessandro de Oliveira
Imbariê,
3º Distrito de Duque de Caxias. 13 e 14 de
abril de 2018.
Todo o meu apoio!
ResponderExcluirObrigado, professor Marcos Bagno. É uma grande honra para mim o seu comentário. Saudações.
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